
Quando nascemos depois do tempo inicial de certas coisas é normal que se descubram os seus primórdios muitos anos depois da partida original. Como muitos que nasceram nos derradeiros anos da década de 1980, descobri músicas e bandas durante os 90s que já tinham sido confeccionadas há 15, 20 ou 30 anos. Ainda miúdo tive que ouvir “Como o Macaco Gosta de Banana” ou “Na Cabana Junto à Praia” – duas canções de José Cid incontornáveis no cancioneiro nacional – para mais tarde descobrir que havia uma banda chamada Quarteto 1111 ou um disco intitulado “10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte”. Primeiro tive de ver, vezes sem conta, o Phil Collins a não saber dançar no single “I Can’t Dance”, dos Genesis, para, quase em adulto, ter conhecimento de um Peter Gabriel e de vinis espantosos como “Foxtrot” ou “Selling England By The Pound”. Mas nem tudo foi mau, porque o Top+, da RTP, ainda passava umas coisas engraçadas de rock e grunge – fazia-me confusão, ainda infante, como é que às duas da tarde se emitiam coisas obscuras como o clip da “Greedy Fly”, dos Bush. Vim a descobrir que afinal gostava daquilo, o pouco tempo de vida neste mundo é que ainda não me deixava usufruir de tais caminhos.
Durante anos a fio ouvi a “Nothing Else Matters” na TV e na rádio sem saber o que era metal e sem saber que havia uma expressão musical muito mais violenta do que aquela que conhecia em casa. Afinal tinha 4 anos quando saiu o “Black Album”. Quando o pessoal começou a gravar CDs e a vendê-los por 500 paus ou, mais tarde, a 5€, as coisas chegavam mais facilmente às mãos dos miúdos – foi um upgrade às mixtapes. Os CDs originais custavam 3 contos, caraças! Pode parecer igual a 15€, mas quem viveu antes do Euro sabe que 3 contos era muito dinheiro e não é, de todo, comparável a uns meros 15€ de hoje em dia. Foi então essa pirataria que me deu Iron Maiden, The Offspring, Bush, Slipknot, System Of A Down e, claro, Metallica. Mesmo assim, ainda teria que passar pelo “Load” – o que para um rapazola entre os seus 10-12 anos nem era nada mau. A “Ain’t My Bitch” era pesadona, a “The House Jack Built” era enigmática e a “Mama Said”, bem… era a ‘mama sáide’.
A evolução das tecnologias e a implementação da Internet em larga escala na casa de cada um foi um abre-latas. Finalmente tinha descoberto o “Kill ‘Em All” e o “Ride The Lightning”! E sozinho. Com esses dois álbuns era abalroado por guitarradas, que nunca tinha ouvido, cheias de electricidade e rapidez que tentava recriar numa guitarra acústica com metade das cordas, como se estivesse a dar um concerto – mas era só o meu quarto, que nem espelho grande tinha para me ver. E os solos eram uma anormalidade que excitava qualquer um. Durante horas indefinidas, o baixo de Cliff Burton hipnotizou-me com “Anesthesia (Pulling Teeth)”, e foi aí que percebi que heavy metal também podia ser melódico e bonito – Iron Maiden provou-me igual nos mesmos meses de ávida descoberta. “The Four Horsemen” deixou-me baralhado porque tinha acabado de arranjar um concerto de Megadeth em São Francisco, algures em 83 ou 84, que tinha por lá uma “Mechanix” igualzinha. E a “Seek And Destroy” embebedava-me de violência lírica ao imaginar gangues de coletes cheios de remendos a partir carros e montras em nome de uma música que escarrava gosmas anti-sociais e de morte.
“Kill ‘Em All”, que tinha o título original de “Metal Up Your Ass”, foi gravado durante Maio de 1983 e lançado a 25 de Julho do mesmo ano. Faz 35 anos. Já é um álbum adulto, mas para sempre representará a infância de Metallica e a existência de resquícios criativos de Dave Mustaine. É, enfim, o primeiro LP de uma banda que em poucos anos se transformaria na mais bem-sucedida saída de um movimento e género musical que queria tudo menos pertencer ao mainstream. Mas isso é outra história que dará pano para mangas e discussões intermináveis…. Acho que ficamos por aqui: pela comemoração dos 35 anos de “Kill ‘Em All”.